Narrativas de Si: Transformando uma História Pessoal em Narrativa Ficcional
À vista: R$378,00
Descrição
Atualmente, as narrativas de si são um fenômeno global que vem chamando a atenção dos produtores e do público do audiovisual. Apesar de se tratar de um estilo literário em sua origem, podemos encontrar traços das suas premissas no audiovisual desde o Cinema de Autor. Hoje, o gênero tem grande êxito no mercado de streaming, como revelam os casos das séries premiadas “I May Destroy You” e “Bebê Rena”. Podemos supor que este desejo crescente tenha sido fomentado pelo aumento de interesse em programas de realities e pelos conteúdos produzidos nas redes sociais que se caracterizam por figuras que expõe sua “vida real” desprovidos de “personagens”. É inegável que há uma curiosidade entusiasta por tipos de conteúdo que se apresentam com estéticas que parecem mais próximas do “real”.
Contudo, essa engenharia de construção de uma ficção a partir de si mesmo é fruto de toda uma longa tradição que atravessa as escritas de si até chegar ao gênero batizado por Serge Doubrovsky como autoficção. Neste curso, iremos abordar desde as origens do conceito na história da literatura, passando por suas particularidades e ramificações, desdobramentos em outras mídias e as polêmicas em torno do termo. Simultaneamente, analisaremos obras do audiovisual que dialogam com as premissas basilares de uma autoficção. Assim como, abordaremos conceitos-chaves de diferentes autores da literatura e do teatro, com o intuito de esmiuçar distintas estratégias para a criação de uma narrativa de si.
OBJETIVOS
Através de uma análise histórica e do estudo de obras audiovisuais clássicas e contemporâneas, iremos refletir e esmiuçar técnicas que permeiam a produção de uma narrativa de si. Ao longo do curso, abordaremos algumas questões-chave (mistura entre autor-narrador-personagem, confusão entre real e ficcional; os limites do pacto autobiográfico; entre outros) e analisaremos como tais recursos foram utilizados (e tensionados) por diversos cineastas na criação de suas narrativas autoficcionais. Além disso, os participantes irão desenvolver um projeto de narrativa de si a partir das estratégias apresentadas durante os 06 encontros.
Ementa
MÉTODO
A partir da análise teórica do conceito de autoficção e suas ramificações, analisaremos diversas produções artísticas nos campos literário e audiovisual. O Curso tem como intuito rastrear e decupar estratégias diversas que auxiliem na construção de uma narrativa ficcional a partir de histórias pessoais.
Dentre o material de audiovisual a ser analisado, iremos investigar a construção do alter ego no cine de autor; a transposição do trauma em “I May Destroy You” e “Bebê Rena”; as memórias pessoais coletivizadas em “Atlanta”; o problema da confusão entre doc e ficção etc. Paralelamente, através de uma perspectiva teórica, buscaremos meios para definir um conflito pessoal que sirva à narrativa, meios para relatar episódios reais e caminhos para criar uma linguagem que dialogue com sua história.
CONTEÚDO
AULA 01
Autoficção: conceito, gênero e suas variantes
Nesta primeira aula, abordaremos as teorias sobre o conceito de autoficção – o neologismo criado por Serge Doubrovsky, em 1977, para categorizar um estilo de escrita capaz de tensionar os limites entre autobiografia e ficção. Analisaremos os percursos históricos deste termo, mapeando seus fundamentos e suas variantes. A partir deste contexto, passaremos por alguns autores que se aprofundam nas questões atreladas ao neologismo; entre elas: as indagações sobre o pacto autobiográfico (Philippe Lejeune); as subcategorizações do termo (Vicent Colonna); a zona fronteiriza entre aspecto dramático e escrita terapêutica (Anna Faedrych); as contradições entre mentira e verdade do “falso mentiroso” (Silviano Santigo). Deste modo, pretendemos analisar as balizas principais de uma autoficção e como esta mistura entre o real e o ficcional nas narrativas em primeira pessoa proporcionou novas perspectivas ao audiovisual.
AULA 02
O disfarce e a transparência no dispositivo alter-ego
Neste encontro, investigaremos a estratégia de alter-ego, tendo como estudos de caso obras de François Truffaut e Federico Fellini. Refletiremos sobre as engenharias de ficcionalização de si através deste dispositivo e observaremos as diferentes propostas discursivas a partir de suas estruturas narrativas. Além disso, aprofundaremos no trabalho de esmiuçar e nomear as estratégias de escrita cinematográfica que cada um destes autores leva a cena no trabalho de ficcionalização de sua autobiografia. Em comparação, analisaremos o uso de recursos distintos em autores contemporâneos (Xavier Dolan; Charlotte Wells), que tensionam os pactos autoficcionais e acabam por nos proporcionar uma maior confusão de quando estamos diante de uma ficção e quando estamos presenciando um evento real.
Aula 03
E Eu? Pesquisa de Temas de Si e do Eu como personagem
Para mapearmos um caminho em nossas escritas de si, este encontro será focado na abordagem de meios para a pesquisa de temas e a construção de personagem em narrativas de si. A partir de determinadas ferramentas da narrativa (programas miméticos, misbehavior, relação plot/caráter, linha interna do personagem; entre outras), analisaremos a complexidade de diferentes personagens que nascem da autoficção. Através de um processo de decupagem destas estruturas (internas e externas), pensaremos como desenhar estratégias e realizar escolhas na definição de um tema e um arco dramático de uma narrativa de si; e em como tornar um assunto particular em um possível tema universal.
Aula 04
Memórias Coletivas: Escrevivências e Afrografias
Através do conceito de “escrevivências” (criado pela autora Conceição Evaristo para autodefinir sua forma de escrita) e de algumas premissas fundamentas por Leda Maria Martins em seu livro “Afrografias da Memória”, neste encontro analisaremos a série de dramédia criada por Donald Glover: “Atlanta”. Apesar de possuir princípios da autoficção, a tessitura narrativa da série escapa da centralidade de si ao expandir histórias pessoais ao nível de memórias coletivas. Analisaremos a construção da narrativa da série que funde elementos serializados, procedurais e até antológicos, o modo como seus personagens falhos escapam de seus objetivos e o uso do humor nonsense como estratégia para uma crítica ácida à realidade.
Aula 05
Inspirado na minha história real: A construção do Projeto de uma Narrativa de si
Analisaremos os tópicos que fundamentam um projeto no campo audiovisual, buscando avaliar como escolher um campo narrativo para melhor adaptar sua história. Decuparemos os tópicos que fundam um projeto a partir de exemplos no campo da ficção, entendendo como utilizá-lo em uma narrativa de si. Ainda nesta aula, iremos refletir sobre a construção de dois projetos de curta-metragem brasileiros contemporâneos: “Poder Falar”, de Evandro Manchini; e “Noir Blue”, de Ana Pi; entendendo as escolhas autoficcionais dos autores em um cenário que imbrica doc e ficção.
Aula 06
O trauma serializado: Os casos de “I may Destroy You” e “Bebê Rena”
Estas duas séries vencedores do Emmy serão analisadas à luz dos dispositivos autoficcionais que seus autores empregam na construção de suas narrativas. Abordaremos como o mercado de streaming incorporou tais narrativas, capazes de deslocar princípios da narrativa clássica e geram um poderoso canal de identificação com um público mais jovem através da construção de personagens complexos, falhos e sem objetivos claros – efeito intensificado pela relação autor-ator-personagem. Neste sentido, tais narrativas desarmam certos estereótipos e conduzem para uma escrita mais próxima da realidade.
Entrega do Projeto Final: Ao final do Curso, será estipulada uma data para entrega dos projetos. Todos os trabalhos entregues até o prazo final, receberão um feedback acerca da estrutura proposta.
FILMOGRAFIA SUGERIDA
Filmes
Os Incompreendidos – François Truffaut
Fellini 8 ½ – Federico Felini
O Papai Noel tem olhos azuis – Jean Eustache
O Espelho – Andrei Tarkovsky
Aftersun – Charllotte Wells
Eu matei minha mãe – Xavier Dolan
Séries
Atlanta
I may Destroy You
Bebê Rena
Curta-metragem
Poder falar – Evandro Manchini
Noir Blue – Ana Pi
BIBLIOGRAFIA SUGERIDA
Teorias da Autoficção – Anna Faedrich
O falso Mentiroso – Silviano Santiago
Afrografias da Memória – Leda Maria Martins
Ensaios sobre a autoficção – Jovita Maria Gerhein Noronha (org.)
Autoficção na narrativa cinematográfica – Elisson Tiago Barros Amate
Memórias Inventadas – As infâncias de Manoel de Barros
Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus
Esculpir o Tempo – Andrei Tarkovsky
ARTIGOS:
A Autoficção: uma engenharia do eu – Sergio Blanco
O narrador autoficcional na literatura e no cinema – Julia Scamparini
Limites do Eu: O gesto autobiográfico no cinema de Jean Eustache – Romero Fidelis
A história de Antoine Doinel: um estudo sobre a formação – Ive Braga
*A realização do curso está sujeita a quórum.
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